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Por Júlia Lyra, Manuella Valença e Nathalia Cruz

I. Os primeiros povoadores. A gênese de Pocotó. Peregrinações e martírios.

 

“O que vale são as nossas histórias, de onde a gente veio”, Jarmerlina Linalva do Nascimento vai falando, enquanto se senta na cadeira de plástico amarela do nosso lado, com um sorriso de quem já viveu muito, mas que nenhum sofrimento foi capaz de arrancar a vigorosidade de seu rosto. Vinda de Lagoa de Itaenga, localizada a 78 km do Recife, em busca de um emprego, ela inicialmente conseguia pagar aluguel em um dos bairros da cidade, até que depois a situação piorou e “vim diretamente para cá, faz uns 13 a 14 anos que eu moro aqui em cima do túnel”, conta.

 

Jarmelina não é a única que mora há mais de uma década na comunidade, aliás, a maioria das famílias está por volta de 15 anos vivendo na Pocotó. Luciana Maria da Silva Barbosa é uma dessas moradoras mais antigas: “moro aqui há 19 anos”, conta ela, “logo quando eu vim, a gente morava ali na frente, não era aqui atrás junto do canal. Só que ali pegou fogo e a prefeitura disse que era para as famílias desocuparem”. O incêndio ao qual ela se refere aconteceu por volta dos anos 2000, e não possui uma causa oficial, sendo este o responsável pela troca do lado ocupado nas beiras do túnel Augusto Lucena, na Zona Sul, e pelo trabalho de se construir do zero um lugar para morar.

 

Foi com tábuas e pedaços de madeira encontrados pela cidade que Eliane dos Santos Silva levantou sua casa. Ela mora há 15 anos em Pocotó, e diz que assim que foram construídas muitas das habitações do local. Contudo, depois de passar “anos e anos sem comer direito, sem beber, sem comprar uma roupa nova, sem fazer nada, apenas juntando trocadinhos com meus filhos” ela conseguiu construir sua casa de tijolo, motivada pelo fato de que, na antiga estrutura, tinha que conviver “no meio de rato, de barata…”, explica.
 

II. As irregularidades: colaterais prováveis do (não) planejamento urbano. Um parêntesis importante. Uma raça forte.

Apenas 38% do esgoto produzido no Brasil passa por tratamento, o que, de acordo com  pesquisa do Instituto Trata Brasil, significa que “mais da metade da população do país não possui acesso aos serviços de saneamento básico” e todo esgoto produzido por essa população é despejado nos conhecidos canais abertos. A realidade não é muito diferente no Recife, pois segundo o Instituto, somente 39,95% do esgoto da cidade passa por algum tipo de tratamento. Assim, a qualidade de vida de toda a população é afetada, pois as substâncias tóxicas presentes nos canais, ao evaporarem, se espalham pela atmosfera urbana, ocasionando uma série de doenças. Dessa forma, se até as pessoas distantes desses locais podem ser afetadas, a situação para quem mora na beira dos canais é muito mais agravante.

“Se a gente tivesse uma moradia para morar, jamais a gente estaria aqui na beirada do canal, que só passa rato, barata, muriçoca, tudo o que não presta têm. A gente tem que conviver no meio disso aqui”, desabafa Jarmelina Linalva sobre a situação da comunidade. Vale ressaltar, ainda, que além das doenças causadas pelos animais transmissores, as substâncias presentes no canal também afetam a capacidade imunológica das crianças, provocando alergias respiratórias, nasais, intestinais e de pele, que acabam por tornar a busca por atendimento médico mais intensa. Entretanto, segundo Eliane, “a saúde aqui tá precária”, já que há uma grande dificuldade em marcar e conseguir uma consulta de qualidade no posto de saúde da região. Esta situação também foi compartilhada por outras moradoras, que estão na fila de espera para terem seus filhos atendidos.

Outro ponto comumente afetado pelas condições insalubres dessas regiões é o sistema neurológico, responsável pelo desenvolvimento da capacidade motora e cognitiva das crianças. Nesse sentido, o déficit de aprendizado e intelectual é uma das principais consequências na vida desses indivíduos, o que pode ser visto com a filha de dois anos de Maria Wilca de Oliveira, que ainda não aprendeu a andar ou a falar. “Minha casa é bem pequenininha minha filha tem nem espaço para andar, ela tem um problema na perna”, comenta ela sobre a situação da criança, que é agravada pelo pouco espaço disponível para tentar aprender a se locomover.

 

III. Comunidade Pocotó, documento vivo de ativismo. Representante natural do meio em que nasceu. Lutas entre a existência e o poder público. Primeiros reveses. A queda.

 

“Eu não acho isso normal não. Normal é chegar aqui e dizer assim: vou levar vocês para um habitacional, dar uma moradia digna a vocês, e não: três dias, despejo”, defende Luciana Maria da Silva Barbosa, indignada com o descaso das autoridade perante a lei. Contudo, nem sempre este foi o sentimento dos habitantes de Pocotó, que sem conhecimento dos seus direitos, possuíam poucas meios para lutar por suas moradias.

Então, diante desse contexto, surge a ideia do MTST de fazer uma feijoada, para compartilhar e debater essas questões de interesse coletivo dos moradores, “depois do almoço a gente explicou exatamente o que tava acontecendo, o que era exatamente”, recorda Tibério sobre a iniciativa. A ação serviu como forma de esclarecimento e também para fortalecer a luta dos moradores, pois, “a gente não sabia de nada, muito menos que tinha o direito a uma moradia, porque, pelo menos eu, achava que eu tava errada aqui, porque a gente mora na beira do canal, a gente corre risco”, conta a moradora Luciana Barbosa.

Depois disso, surgiram as reuniões semanais, com o objetivo de melhorar a comunicação dentro da comunidade acerca dos avanços e retrocessos na situação judicial de Pocotó. Nelas, as articulações para as mobilizações e protestos são pensadas em conjunto com o MTST, que são um dos poucos momentos que conseguem chamar a atenção da imprensa local. “A gente sabe que os jornais são totalmente tendenciosos e escrevem o que querem, dizem o que querem e falam o que querem, né? Se não for do interesse deles e para sensacionalizar, salvo engano alguns apenas”, aponta Tibério.

Para gerar visibilidade e combate a desinformação da sociedade em relação ao quadro de Pocotó, “a gente resolveu fazer um apelo nas redes sociais, porque hoje é, enfim, onde a gente pode dar visibilidade”, explica Tibério. Ele não é o único a reclamar da mídia local, Eliane ressalta,“a gente só faz queimada por conta disso, que eu também num gosto, mas é o único meio da gente ser escutado através da imprensa, só chama atenção quando a gente taca fogo na rua “, e reinteira “se a justiça disse que a gente tem que sair daqui, pois muito bem, a gente não tá aqui dizendo que não quer sair daqui não. A gente sai, mas desde que saia para uma moradia, uma moradia digna.”

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