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Por Júlia Lyra, Manuella Valença e Nathalia Cruz

I. Preliminares. Antecedentes.

 

“A prefeitura veio aqui querendo tirar a gente. Eles disseram que a gente assinasse porque era coisa boa, só que não era, era só pra gente poder assinar”. É assim que Eliane, moradora da Pocotó há 15 anos, vai descrevendo a arbitrariedade com que se deu a ordem de despejo, no início de setembro. Ela comenta que só após ter iniciado o contato com os representantes do MTST estadual pôde se sentir mais calma. Do outro lado, Tibério comenta que foi através da mídia que o Movimento soube do que estava acontecendo no local, decidindo, em seguida, marcar uma reunião com os moradores. “Eles disseram que queriam travar algum tipo de processo em que fosse aberto o diálogo com a prefeitura, porque, até então, eles tinham recebido uma ordem de despejo voluntária, sem nenhuma garantia”, relembra.

Para tanto, foi decidido, em conjunto com os moradores, que seria necessário iniciar o processo de mobilização da comunidade. A Pocotó fez um protesto no dia 14 de setembro (quinta-feira), na descida do viaduto Tancredo Neves. Foi então aberto o canal de diálogo: neste mesmo dia as lideranças do movimento começaram a conversar com representantes da prefeitura. Além da abertura do processo de luta política, que seria esse primeiro contato com os representantes do poder municipal, o movimento também deu início à sua luta judicial, pois “juridicamente falando, a prefeitura não podia, de forma alguma, despejá-los sem dar uma solução”, defende.

II. Causas próximas da luta. Primeiro em(com)bate.

Uma das primeiras ações realizadas juridicamente foi a abertura do processo de embargo referente à decisão da juíza Mariza Borges, cujo parecer pedia a retirada de 11 famílias, que vivem sob o túnel, sem, entretanto, notificar o restante dos moradores a respeito do pedido de despejo e demolição das casas. “As que não tão no viaduto, em teoria, não precisariam sair, mas a gente sabe que pra um trator entrar ali naquela comunidade ele precisa quebrar pelo menos umas 7 casas”, disse Tibério, referindo-se às moradias nos entornos da laje do túnel. Porém, segundo Cecília Gomes, advogada do movimento, não somente 11 famílias vivem sob a construção, até o processo da prefeitura fala de 47 famílias vivendo no local. “Mas quando eu fui ver, nem todas as pessoas tinham sido citadas na decisão. O prazo só podia começar a contar a partir do último que fosse intimado”, explica.

Na primeira reunião de negociação com a prefeitura, Cecília conta que havia muita intransigência por parte dos três secretários que os receberam. “A narrativa deles é que o túnel tinha risco de morte, o túnel ia desabar, e as pessoas tinham que sair dali”. Contudo, após analisar o processo, a defesa do movimento percebeu que essa não era uma justificativa plausível. No laudo elaborado pela prefeitura, havia nível de risco 2 da estrutura (vai até 4), que não é alto. Além disso, o método de elaboração do documento também é questionado: “É um laudo que foi feito sem técnica, a perícia foi somente visual e com depoimentos de moradores. Inclusive tem isso lá, no laudo que foi elaborado pela prefeitura”, explica Cecília. O próprio laudo informa que é realizado o acompanhamento desde 2015. “Até hoje, 2017, a estrutura do túnel está do mesmo jeito, não teve alteração estrutural. Então essa narrativa deles não é válida”. Não seria em três dias que o túnel iria cair.

Inclusive, essa não é a primeira vez que a comunidade recebe esse tipo de ação. Jô, integrante do MTST, mencionou uma colega que foi despejada do local em anos anteriores. “Tiraram ela de lá, dizendo que iam dar auxílio moradia, dizendo que iam encaminhar pra habitacional e não garantiram nada pra lá. Muitas pessoas, as que tão lá até hoje, são as pessoas que resistiram a esse pedido de despejo anterior”, comentou Jô.

III. Preparativos da reação.

Mas a defesa continuou resistindo. Uma segunda reunião foi realizada no dia 19 de setembro - depois de muito tensionamento, já que, segundo Cecília, a prefeitura não queria receber o movimento. A prefeitura lançou uma proposta: 1500 reais divididos em três parcelas de 500 reais para cada família. Com o auxílio eventual, as famílias teriam que sair do local. “1500 reais dividido em 3 meses dá garantia a no máximo 3 alugueis de 3 meses e depois o pessoal faz o que? Vai morar na rua? Voltar a morar em casa de parente? A coabitação também não é uma solução real, não é uma solução digna para o ser humano. Então a gente não aceitou, quando a prefeitura ofereceu isso”, conta Tibério.

A ideia da defesa era pensar numa alternativa habitacional, uma solução mais definitiva do que um auxílio. “Uma das opções que a gente deu era de pensar um terreno que tivesse, por exemplo, com dívida de IPTU, que a prefeitura pode desapropriar, inclusive sem custo para prefeitura”, explicou a advogada Cecília Gomes. Até aquele momento, contudo, a prefeitura não queria pensar nisso.

 

Paralelamente às negociações, a defesa entrou com pedidos em segunda instância para suspensão da ação judicial do despejo, que ainda estava ativa. “A prefeitura podia invadir o tempo todo, a gente não tinha uma garantia que não ia tirar as famílias quando não tivesse a mesa de negociação. A prática normalmente é quando a gente abre mesa de negociação, pede pra prefeitura para suspender essa ação judicial”, comenta Cecília. A decisão do desembargador foi favorável, indeferindo o processo da juíza, suspendendo, assim, a reintegração. A prefeitura só podia demolir as casas se pagasse auxílio moradia para todos ou fornecesse uma solução habitacional para as famílias - não era exatamente o que a defesa pretendia, mas nessa situação, já foi uma conquista.

IV.  Pocotó não se rendeu

Até o momento, a comunidade Pocotó espera a resposta da prefeitura. Em uma terceira reunião realizada no dia 25 de setembro, a defesa propôs o uso de um terreno em Boa Viagem (que está com dívida de IPTU). Além disso, cada família receberia o auxílio eventual de R$ 1500 reais para construção das moradias, no terreno que elas já teriam título de posse. Segundo Cecília, a prefeitura já começou a pensar nessa proposta e pediu mais tempo para analisar o terreno sugerido. Enquanto aguarda a resposta, o movimento continua fazendo apelo nas redes sociais, “é importante que não só a comunidade tenha força absoluta mas que também a sociedade recifense entenda o que tá acontecendo ali”, lembra Tibério.

A defesa já lançou as suas cartas: o Estatuto da Cidade, a legislação da Regulação Fundiária Urbana (Reurb), o artigo 6º da Constituição. “Moradia é um direito, não é um favor que o estado está prestado à gente”, fala Cecília. “É uma moradia irregular mas isso existe porque a prefeitura não dá a possibilidade de uma moradia digna”, fala Tibério. “Eu não acho isso normal não, normal é chegar aqui e dizer assim: Vou levar vocês para um habitacional, dar uma moradia digna a vocês, e não “três dias, despejo”, fala a moradora Luciana Barbosa. Cecília, Tibério e Luciana falam em consonância: a moradia é irregular, mas onde está a alternativa? Pocotó resiste.

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